sábado, 8 de novembro de 2008

COISAS DO COTIDIANO

A PROFESSORA BERNARDINA E O HOMEM DA VOZ ESGANIÇADA

Das atitudes malucas que eu tomei na vida, uma delas foi, em 1981, sair da Faculdade de Engenharia e entrar na Faculdade de Matemática com um filho recém-nascido. Além de ter causado uma tremenda sobrecarga à minha jovem esposa, não tive quase nenhum aproveitamento nos estudos. Uma das coisas, porém, de que não me esqueço; as aulas da professora Bernardina. Ela dava aulas de Cálculo às segundas feiras e de Lógica aos sábados à tarde. Era uma senhora alta, quase nunca sorria e sempre usava um lenço no pescoço. Estar num sábado à tarde na faculdade, depois de ter trabalhado e estudado a semana toda e ainda com um filho em casa que poderia estar curtindo ou ajudando a esposa, tornava a cena tão “ilógica” que, estando lá, o mais “lógico” seria prestar atenção nas aulas de Lógica da professora Bernardina.

Ela chamava de “silogismo” o raciocínio formado por três proposições. A premissa maior, a premissa menor e a conclusão. Admitidas as premissas como verdadeiras, a conclusão se deduz da premissa maior por intermédio da menor.

Você pode não ter entendido a Bernardina, mas entende a bíblia quando faz um silogismo. Todo ser humano precisa de Deus (premissa maior) eu sou um ser humano (premissa menor); logo, eu preciso de Deus (conclusão).

Nesta semana, um pregador radiofônico me fez voltar, em pensamento, às aulas de lógica de 1981. Ele disse: “Se você deu sua oferta para esse programa, nós estamos, em jejum, obrigando Deus a te enriquecer porque você está ajudando a pregar a Palavra e Deus não tem escolha. Você deu, Ele tem que te dar. Nós estamos aqui para lembrar Deus do compromisso dEle”. Viajei no pensamento de como a Professora Bernardina analisaria a proposição “Deus ama ao que dá com alegria” (2Co 9.7), um texto que, em tese, contradiz o mercenário radiofônico em questão.

Uma forma de silogismo seria: 1)Deus ama ao que dá oferta com alegria 2) eu dou oferta com alegria; logo, Deus me ama. Mas pode ser também: 1) Deus ama ao que dá com alegria 2) dar com alegria é doar pelo prazer de doar sem exigir nada em troca; logo, Deus ama ao que dá pelo prazer de dar sem exigir nada em troca.

As pessoas que, iludidas pelo argumento desses mercenários, ofertam pensando estar fazendo um negócio lucrativo com Deus, comprando o amor de Deus, enganam-se redondamente. Por ser Deus, Ele nos ama pela necessidade que temos do Seu amor. Ninguém pode comprar ou merecer o amor de Deus. Nada que façamos pode aumentar ou diminuir o amor de Deus por nós.

Deus ama aquele que, por retribuição ao amor de Deus, sem pesar e não forçado, ajuda aos necessitados, mas se ofende com aquele que acha que pode comprá-lo ou extorqui-lo por um dinheiro que Ele mesmo lhe deu. É uma afronta à Sua inteligência.

Acho que Professora Bernardina não aprovaria a hermenêutica do homem de voz esganiçada e trejeitos amalucados. Nem tanto pelo temor reverente a Deus, porque, se me lembro, a professora nunca mencionou essa característica, muito mais pela lógica que rege qualquer ser humano ao analisar 2Co 9.7 e perceber que uma oferta não pode forçar Deus a abençoar, muito menos uma oferta coagida, arrancada, interesseira e sem alegria. Deus não nos ama mais quando damos oferta. Ele se alegra mais quando percebe o exercício prático do nosso amor por aquilo que Ele nos deu.

Acho que me empolguei nas minhas reminiscências. Parece que minha lógica não é tão lógica assim e, “lógica que rege qualquer ser humano”, foi um exagero. Se assim fosse, esses mercenários não sobreviveriam à custa de tantos seres humanos.

Agradeci a Deus pela professora Bernardina, que nunca mais vi desde 1981, por ter me ensinado Lógica. Seu silogismo, Bernardina, talvez tenha ajudado outras pessoas a escaparem das armadilhas hermenêuticas dos aproveitadores de plantão.

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