sábado, 20 de março de 2010

COISAS DO COTIDIANO

... E QUEM NUNCA ROUBOU ROSAS, ENTÃO, É QUE JAMAIS VAI ME ENTENDER...

Essa é a segunda frase do conto de Clarice Linspector, Cem anos de Perdão.
Nesse conto ela descreve com riquezas de detalhes, um capítulo de sua infância no Recife. Menina pobre, cuja atividade preferida era ir com sua amiguinha a uma rua de casarões imponentes e brincar de ser dona das casas. As brancas eram de uma, as coloridas da outra. Por vezes, até saiam algumas discussões sobre a real cor de determinado palacete e, consequentemente, a quem pertencia. Tudo mergulhado num sonho que parecia tão real no imaginário infantil.
Numa dessas tardes, num dos casarões, quase um castelo, ela avista uma rosa. Vermelha e perfeita. Ela olhava para a rosa e parecia que a rosa também olhava para ela como que querendo pertencer àquela criança.
A menina começou a desejar aquela rosa do fundo do coração e esse desejo se tornou num plano apaixonado de possuí-la. E assim fez. Uma tarde, enquanto sua colega vigiava, ela entrou no jardim e, ferindo-se no espinho, chupando o sangue que escorria pelos dedos, tomou a rosa e a levou. O trajeto de volta até o portão pareceu uma eternidade. Quando ela toma a rosa nas mãos e atravessa a rua, agora em segurança, é tomada de uma paixão e alegria indescritíveis. A rosa era toda dela. Poderia cheirar o seu perfume até desmaiar e olha-la quantas vezes quisesse.
Ela termina o conto dizendo que quem rouba rosas e pitangas que apodreceriam no pé, senão fossem apanhadas, tem cem anos de perdão.
Obviamente a autora não está fazendo uma apologia ao roubo. Nem de longe. É a forma de dizer que ninguém poderá jamais saber o sentimento de alguém, principalmente de uma criança, se nunca passou por situação semelhante.
Quando leio esse conto, penso em coisas espirituais. Penso em como, às vezes, prego com tanta convicção e entusiasmo sobre alegrias da vida cristã e algumas pessoas recebem a mensagem como mais uma informação que deve ser entendida e armazenada. Existem coisas na vida que não se consegue transmitir a emoção pela informação. Algumas verdades bíblicas podem ser pregadas pelo orador mais eloqüente e com os maiores recursos homiléticos que não passarão de informações, até recebidas como verdades, mais sem produzir resultados efetivos.
Dois exemplos bastam para ilustrar o que defendo: Ganhar uma alma para Cristo. Quem nunca viu alguém, visivelmente aprisionado por Satanás, ser liberto pelo poder do evangelho através do seu testemunho, nunca saberá qual o prazer que isso dá. Ver alguém que caminhava a passos largos para o inferno, depois de ser-lhe apresentado as boas novas de salvação, render-se aos pés de Jesus. Quem já passou por essa experiência, experimentou um gozo quase celeste por alguns minutos. Quem nunca ganhou uma alma para Jesus, só sabe teorizar sobre o “Ide” de Jesus, mas sem a sensação dessa recompensa.
Outro exemplo é a contribuição generosa. Não dá para explicar o que se sente quando se doa liberalmente e com generosidade. É uma alegria que parece que se ganhou uma grande fortuna. Mas quem dá murmurando, com mesquinharia, daquilo que sobra, como se fosse uma obrigação, vai ficando cada vez mais pobre de sentimentos e de sensibilidade.
Não dá para explicar como é ganhar uma alma para Jesus. Tem que passar pela experiência. Assim como não dá para garantir felicidade ao contribuir àquele que não o faz com alegria.
Clarice Linspector, já falecida, não pode me impedir de parafrasear seu conto: Quem nunca doou com generosidade e liberalidade não vai entender. Quem nunca ganhou uma alma para Jesus, então, esse é que jamais vai me entender.