quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ENTENDES O QUE VÊS?

ENTENDES O QUE VÊS?
Uma reflexão sobre a “Babel” da pregação televisa e seus reflexos no cotidiano batista.

“Entendes o que vês” tem uma semelhança sonora com a pergunta que Felipe fez ao eunuco quando este lia o livro de Isaias, sozinho, enquanto sua carroça caminhava. Ao perguntar ao empregado da rainha “Entende o que lês?” a resposta foi imediata: “como poderei entender se alguém não me ensinar”. Ele pediu a Felipe que subisse no carro e explicasse as Escrituras.
Temos, neste episódio, um homem bem intencionado, interessado nas coisas de Deus, mas sem as condições mínimas de conhecimento para discernir, sequer, de quem o profeta falava. Para sorte desse homem, Felipe fora enviado por Deus para encontrá-lo e mostrar o sentido da Palavra de Deus. Infelizmente, não temos tido a mesma sorte com aqueles que ocupam longas horas na televisão, colocando-se na posição de Felipe, com a pretensão de interpretar a bíblia para o povo que os assistem.
A Babel está formada. Esses homens já não se contentam apenas em usar textos isolados da Palavra de Deus para apoiar seus pontos de vista, quase sempre tendenciosos, ou sua doutrina. O tempo disponível é tanto, que ainda dá para usar a Palavra para acusar seus concorrentes ou defender-se deles para garantir o disputado mercado dos contribuintes, auxiliares, associados, gideões, parceiro fiel, colunas e outros adjetivos. A Palavra de Deus serve apenas como um apoio sagrado à idéia de que o investimento no seu ministério é o que tem o retorno mais garantido.
A que atribuir tamanho desvio dos propósitos do texto? Poderíamos considerar como o fenômeno da heresia involuntária, por não entenderem o que lêem? Penso que nem o mais longânimo dos críticos daria o benefício desta dúvida a esses pregadores. Parece-nos que, deliberadamente, a idéia é trazer confusão na mente daqueles que, não satisfeitos com os poucos minutos que desfrutam da mensagem na sua igreja, complementam sua jornada espiritual, como que tentando mostrar para Deus que não vai aos cultos de oração e estudo bíblico, mas gastam horas em frente à TV ouvindo o dissidente do dissidente que formou seu próprio império eclesiástico do qual ele é o sumo pontífice e do qual ninguém ousa discordar.
Tornou-se um vício. As pessoas começam com Silas Malafaia e RR Soares. E não há quem diga que nunca foi abençoado, pelo menos uma vez, ao ligar a TV na madrugada e ouvir um homem aos gritos pregando. Aos poucos, no entanto, uma mensagem, teologicamente moderada, e que trata de vida cristã já não satisfaz e o membro passa a consumir pequenas doses dos pregadores clonados da IURD e só acorda no domingo com o grande culto no templo maior ouvindo o próprio Edir Macedo. Mas um viciado é um viciado e ele começa a ter suas rotinas de consumo alternando Record e Rede Gospel com precisão suíça de horário. Estevam e Sônia Hernandes estão num patamar de consumo mais restrito, pois só são encontrados na TV paga. Isso atenua os efeitos em algumas igrejas. Mas como escapar do Waldomiro? Ele é encontrado em todo lugar a todo o momento. Conheço pessoas que consomem, no mesmo dia, doses elevadas de Waldomiro associadas com Sônia Hernandes.
Você conhece a estória do sujeito viciado em cachorro quente que um dia pôde comer o quanto agüentasse? Pois é, ele comeu vinte sanduíches e começou a passar mal. Alguém lhe disse “tome um sonrisal que melhora”. A resposta foi. “Se houvesse algum espaço no meu estômago eu comeria mais um cachorro quente”. Pois é, quando chega a hora de ler a bíblia, ir a um culto no lar ou mesmo assistir o programa do Pr. Kenji ou de ver Hernandes Dias Lopes não há espaço para mais nada. A mente está sobrecarregada com overdose de pregação televisiva massificada.
Qual o reflexo imediato disso nas nossas igrejas?
Começa, como já dissemos, pela sensação de saciedade espiritual. Como quem comeu um quilo de salgadinho de isopor.
Ato contínuo, o abandono da leitura sistemática da bíblia. Afinal, já vem tudo pronto e “interpretado”.
Aos poucos esses pregadores que ocupam canais e horários permanentes passam a ser os pastores virtuais desses consumidores compulsivos. Eles são a referência de fé, de prosperidade, de entusiasmo, de perseverança.
Um pouco mais e reflexos se estendem ao ambiente da igreja. O pastor local já não é tão eloqüente, a igreja não tem tanta gente, não se dá notícias de tantos milagres, ninguém fica milionário da noite para o dia, algo está errado na igreja.
Passa então para as crises existenciais. Por que o pastor da TV prospera tanto e o nosso pastor continua com seu fusquinha?
Não há problema em ver programas evangélicos na TV. Ainda é melhor do que ver novelas e pornografia. A grande preocupação é: Entendem o que vêem? São mensagens antagônicas. São discursos excludentes. Se você acredita em um, não pode aceitar o outro. O excesso de pregação triunfalista, sem cruz, sem santidade, sem amor ao próximo, fez com que as pessoas, antes criteriosos em suas escolhas, perdessem completamente o senso crítico. Consomem tudo, aceitam tudo, acreditam em tudo. Como diria minha mãe: acendem uma vela para Deus e outra para o diabo.
O óbvio não tem sido visto. A pregação vai na contra-mão do ensino de Jesus. A vida de aparência no palco, parecendo que tudo está sempre bem debaixo de uma “cobertura apostólica” que eu não sei de onde vem. A prosperidade dos líderes religiosos atesta sua pregação. Essa prosperidade, no entanto, vem das ofertas dos seguidores-consumidores fiéis. Que não percebem que é uma simples transferência de fundos.
As pessoas não estão entendendo o que vêem, mas estão consumindo. Talvez se entendessem, não veriam. Se cabe uma sugestão, gaste esse tempo lendo a bíblia, orando, visitando um enfermo, participando de um pequeno grupo de comunhão, grave o sermão do seu pastor e ouça várias vezes, leia um livro, ouça boa música cristã. Faça algo diferente edificante.
Não estamos fechados ao fato de Deus usar qualquer um desses pregadores para falar conosco – lembre-se de Balaão. Mas se a mensagem começar a tomar um rumo do tipo Deus está só nesta igreja, ou você pode tudo sem mudar nada, não há problema com o pecado porque Cristo já pagou na cruz, pule fora. Assista o “Chaves” que, pelo menos, tem sempre uma lição moral no final.